Suas mãos se assemelham a cansadas cordas de aço entrelaçadas. Quase sempre imóveis, só é possível vislumbrar as palmas - queimadas pelo calor das pedras - quando se rendem ao mímico diálogo com os pássaros pretos. Gestos ventados ao ar, os dedos desenham incompreensíveis contornos pouco acima da linha do horizonte, enquanto a boca seca cala.
Ela também é alada.
Seus cabelos, derramados ombros abaixo feito cachoeira prateada, têm como preocupação apenas seguir a inconstância do vento. Por vezes se embolam com as correntes ao longe e, de liso, mimetiza em intermináveis vagas rebeldes. Eles vêm e vão, redemoinham e adormecem conforme a maré. Fios revoltos, não se distingue onde começa e termina seu corpo enquanto flutua.
Ela também é partida.
Sua pele é um conglomerado impreciso de retalhos que misturam rugas e cores aleatórias e marcadas. O corpo é delgado e frágil, e os ossos pontudos revelam por baixo do tecido duro e surrado uma silhueta friamente geométrica. Em postura triangular, mantém a espinha ereta e as pernas cruzadas - as rachadas plantas dos pés para cima. Com a cabeça voltada para o norte, tem os olhos sempre encobertos de névoa, mesmo nos tempos mais quentes, enquanto evapora.
Ela também tem segredos.
Sua vida segue sem que jamais tenha tentado transformar pura magia em meras palavras. Em seu mundo, letras são míseros rabiscos frente a imensidão gloriosa dos sentimentos que vibram. Ela não fala. Ela não escreve. Enquanto muitos a definem louca por inacessíveis e degradantes sinônimos, ela enxerga o vento e o beija.
Ela está muito além.
Sylvia Araujo
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