Este blog é uma reunião de textos exclusivamente autorais. Para conhecer mais de mim, dividir sons e sabores poéticos, musicais, cinematográficos, e tantos outros cheiros mais além dos meus, venha tomar um expresso esparramado nas almofadas fofas do meu outro blog, o Abundante-mente. Te espero lá com as velas acesas.

8 de janeiro de 2011

Entredentes

Aquela boca - admirável talho carnudo engolidor de nuncas. Jamais me permiti o destempero de dizer nunca àquela boca, sendo. Ela é - inteira ela, e sempre, a boca - um corpo inteiro em arrepio etéreo, um quase-incêndio, fogo entredentes. Um mundo vivo e pulsante, a se dissolver lentamente no acentuado côncavo daquele céu - não há estrelas, mas mel.


Traz consigo, tatuada entre os talhos ressecados pelas jornadas de excessos - beijados por seus fartos pelos de aurora - a réstia de um beijo, eu sei. E o brilho pegajoso das máximas urgências que construíram ninho, ao longo dos anos, em sua delicada fenda rosada. Todos os dias ela amanhece em fresta, e se faz de ontens. Mas é inteira amanhãs, em mim.

Seu canto me enluara. Faz do meu sertão flor da pele, lua – inteira nua - por entre as nuvens fartas. E arrasta consigo - debruçado no contorno sutil dos lábios entreabertos - o resto das noites brancas em que me escorreu, entregue. Ainda que haja luz, abraça com a ponta da língua o sal dos escuros da chuva. Ela chove, a boca. É relâmpago, raio, trovão – alto-mar bravio, em zanga de furiosas águas. E sorrindo, - bonita sabedora de seus tantos encantos - ensolara, gargalha e geme, como quem estivesse sempre vivendo ou sangrando.

A mando de dentro, brota. Em gotas. E – em inevitável destino-caminho – se encarrega, sozinha, de virar rio aqui.

Sylvia Araujo

Um(idade)

Caudaloso rio
esse teu branco corpo
de águas doces-claras.
Dentro de si
arrasta mar
aberto-vivo
por entre
as pedras lisas.
Turbulento e revolto,
é úmido
teu bem-querer -
poesia-nua
de albatroz
em caça.
E eu,
sardinha,
brilhante e estapafúrdia
sardinha,
pronta
pra ser devorada
por ti.

Sylvia Araujo

Ousadia

Esfregam-se em meu olhar
todos os dias
infinitos olhos.
No fundo de todos eles
apenas um par
- e seu castanho-amendoado,
profundo mar -
que me olha
me estreita
molha
e espreita
que quase me cega
com seus tantos seres,
reféns-aprisionados
em duas íris só.

Dentro de mim,
dois olhos-chocolate.
Em você,
a bonita ousadia
de ser multidões
aqui.

(Tudo o que eu queria agora era poder sentir o cheiro do teu silêncio com a ponta dos dedos)

Sylvia Araujo

Drummond nos teus olhos

É dia de dizer coisas que não se diz a qualquer um, eu sinto. Enquanto você não vem, engulo as palavras uma a uma, bem enroladas, quase emboladas, e guardo-por-pouco-perco lá, bem lá no fundo do peito. No dia em que você chegar, muito perto, quase dentro, vou te saltar no pescoço largo e te encher dos meus melhores beijos, eu sei. E vou esquecer tudo aquilo que ia te dizer agora, nesse exato-angustiado momento, porque perto dos teus olhos de horizonte, toda a importância vira sopro e derrete - praticamente desaparece - bem no meio desse teu oceano lilás sem fim.


Sylvia Araujo