Num repente, as janelas batem. Estremece com fúria a alvenaria do dentro. Quando é tempestade no fundo do peito, as nuvens se alojam na beira dos olhos. É curiosa a maneira como recobrem a retina e embaçam a visão - meio véu, meio teia - e me escurecem. Com a beleza do som do silêncio dos meus dias de chuva aprendi a ser noite. Quando em vez me embalam cantigas de morte. Sentimentos vazios, olhares perdidos - ando cheia deles. E mesmo que não haja vida nas palavras duras que me habitam hoje, ainda assim deixo que dancem. Escrevo porque a letra que me escorre aquece. Quando me toma pela mão e me arrasta insistente pra dentro das minhas entranhas, onde adormecido - por ora - mora o mais belo sol, me doura a alma. Com um sopro de brisa. E faz com que brotem as mais delicadas sementes, que planto sempre que em mim é primavera. A lágrima rega. E é por isso que eu chovo. Para que enraízem no terreno fértil do meu coração os cheiros mais doces e as mais belas cores que existem em viver. E é só por isso que eu vivo. Mesmo quando o breu do âmago faz revirar o dolorido estômago ulcerado eu sinto, e sinto tanto, que nada nesse mundo vai conseguir arrancar dos meus poros a resplandecência do azul inteiro de um céu de brigadeiro em pleno janeiro.
Ainda é abril.
Até lá, tro-vejo.
Sylvia Araujo
11 comentários:
Bela escolha de palavras !
Ainda é abril...outono...época de renovação.
bj
Suas palavras são incandescentes e tocam no profundo da alma...
Beijos, Flor!!!
"Quando é tempestade no fundo do peito, as nuvens se alojam na beira dos olhos."...Quando a vida nos forja em tempestades, e assim aprendemos a ser noite, até mesmo os sorrisos se encobrem com véu.
Um texto outonal, indubitavelmente belo.
beijos, querida
Sylvia,
chove, chove estrelas
em nós quando te lemos.
bjs
Que dirá o tempo? Tempo-clima que nos traz sensações tantas e tão diversas... Tempo-lembrança que nos faz querer ir além. Tempo-tempo que nos faz querer ir, simplesmente.
Tempo-te...
Querida,
Estou bem aquecida pelas letras que escorrem de ti.
E tbém estou esperando por um céu de brigadeiro.
Bju trovejante!
Sylvia...
Belo texto poético. É uma delicia ler-te!!!
Beijos
AL
Densas palavras, mas não menos belas por isso!
Gosto dessas características em um texto.
gostei muito.
abraço
Elis
"Escrevo porque a letra que me escorre aquece."
As letras que escorrem frias da retina são bebidas pelas palavras aquecidas da alma.
Texto bonito,
Estou realmente encantada!
Maravilhoso teu escrito!
Real e verdadeiro...
Tão, mas tão lindo que chega a doer...
Amei, amei, amei!!!
Beijos pra ti!
Voltarei sempre por aqui...
maravilhoso... já estou virando suspeito pra falar dos seus posts...
encanta, prende, seduz os olhos...
mais uma vez escrevo: muito bom te ler!
parabéns!
beijos guria! cuide-se!
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