Pés descalços, larga a maleta lotada de papéis desimportantes em cima da única cadeira, puxa do bolso o maço amassado de cigarros e segue até a pia abarrotada de esquecimentos. Abre o frigobar vazio, apoia o copo de vidro lascado, enche de gelo até a boca e derrama o whisky de segunda - até cobrir a metade dos cubos.
Seu conjugado mede exatos cinco passos número 43 até a janela. Mais dois pra cada lado. Espaço suficiente para abrigar seu mísero ego de filho terceiro de mãe sofrida. Sôfrego por uma lasca de ar, segura com as mãos trêmulas o cigarro aceso e a poção mágica, e apoia os cotovelos no parapeito do mundo para observar o nada.
Abraça com força o silêncio pesado, enquanto rejeita todas as máscaras que se obrigou a usar durante o dia. Agora é noite. Já passou da hora de fazer alarde.
Repete a sessão cigarro-copo-parapeito até perceber o início da íntima dormência na ponta dos dedos e a aproximação dos sonhos bonitos. Satisfeito, abre o chuveiro no máximo e se afoga inteiro na água gelada, ao mesmo tempo em que cantarola baixinho a lembrança gostosa com cheiro de infância.
Quando deita no colchão antigo - exausto do tudo que foi, sem nunca ter sido - imediatamente encerra seus olhos turvos. Transbordando lágrimas secas e engasgos latentes, implora - com o peito aberto e os punhos cerrados - para não amanhecer vivo. Nunca mais.
Sylvia Araujo
4 comentários:
Que descoberta boa estes teus escritos! Obrigada pela visita ao sementeira... vou voltar sempre! beijos
Ah, como você está superando todos os limites de sensibilidade na escrita, minha amiga. Coisa boa é te ler!
Beijos, te amo!
Poxa, Marcia... fico imensamente feliz que tenha gostado das minhas letras, porque eu me apaixonei perdidamente pelos teus sentidos.
Estarei sempre no meio das tuas quimeras.
Beijoca
Ô, Sia... acho que o tempo de trovoadas no peito tá ajudando a florir as palavras.
Te amo mais ainda!
NU
que escrita é essa!
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