Escrever é minha libertação. E a mais sufocante das clausuras. Minha incoerência e militância. É ao mundo que esbravejo febril os gritos lancinantes, desesperados e insanos da fera enjaulada em seu próprio peito. É ao outro que suplico cuidado com o que me vaza e esvazia - porque isso é tudo o que me resta. É lá - bem lá no meio das tantas folhas soltas e desconexas que me revelam - que sucumbem exaustos os poucos pedaços mais preciosos de mim. Os que me são e os que me ausentam. E ainda aqueles que - não sendo nem um, nem outro - vivem de almejar uma identidade, qualquer que seja ela; como um vulto que aguarda ansioso o breve mas caloroso aceno, sentado imóvel diante da janela de um trem que parte sem olhar pra trás. E assim, como quem se resigna diante de um mal irremediável, segura constato que é, sim, no contorno delicado e dolorido dessas letras latejantes que me encontro - feito rosto que reconhece as suas próprias marcas em olhares alheios. E que, neste materno aconchego de ninho aquecido pelos verbos mais inconjugáveis - invariavelmente - me perco. Com os poros famintos e o peito escancarado.
Sempre sorrindo e sangrando.
Di la cer ando.
Sylvia Araujo
PS: Com um beijo enorme na careca brilhante do Sara-Mago das palavras. Ficamos aqui abraçados com as suas deslumbrantes letras e com a saudade apertada dos muitos mundos que ainda estavam por vir. Ainda bem que palavra alada é imortal.
"Se tens um coração de ferro, bom proveito.
O meu, fizeram-no de carne, e sangra todo dia."
José Saramago
4 comentários:
Dito com a força feminina, que muita gente desconhece. Beijo!
Ola Sylvia, tudo bem?
Estou retornando devagar, espiando os blog's que tanto gosto ... e quando chego aqui, falta-me o ar para concluir a leitura do teu texto!
Simplesmente adorei. Gosto desta forma de escrita, que deixa sangrando tudo, e curiosamente, até me acalma!
Belíssimo texto.
Abraço
Elis.
Beija flor, soprasse e eu vi entrando pela janela. ilumina-me!
Beijos!
Sylvia, que texto absurdo de lindo!!!!`Sim é estranho, dizer "absurdo", mas é a maneira de poder expressar o meu descomunal espanto. Sangramos e sagramos palavras todos os dias e ainda bem que as escolhemos perfeitas para que elas possam permanecer nos corações...
bjs
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