Este blog é uma reunião de textos exclusivamente autorais. Para conhecer mais de mim, dividir sons e sabores poéticos, musicais, cinematográficos, e tantos outros cheiros mais além dos meus, venha tomar um expresso esparramado nas almofadas fofas do meu outro blog, o Abundante-mente. Te espero lá com as velas acesas.

27 de maio de 2010

Des-ânsia

Amanheceu bonita. Dia quente rompendo no peito, um sol inteiro iluminando afobado a pele fina e clara do rosto. Do outro lado da janela um vento cortante bailando anunciante o longo inverno - em tempos de La Niña não há nada mais a se esperar além das loucuras cometidas pelas estações. Há quem diga que assim enlouquecemos junto. Nada mal quando pensar em loucura é quase como uma abolição da escravatura. No aconchego do lençol macio cheirando à alfazema, sacudiu os pensamentos e esticou as pernas. A cama amolecida pelas noites revelando a marca intacta do corpo rijo entregue aos sonhos. Aquelas tantas lembranças, que - no fim - acabam sempre virando memórias pra dentes. A tatuagem dos amores já cicatrizados na fronha florida já ardeu mais. Hoje revela. E ela sorri confiante, do mesmo lado que tantas vezes foi invadido pelos mares dos olhos. O sal deixou nódoas no tecido amarelo e não há Omo-qualquer-coisa capaz de removê-las. Melhor que fiquem ali, feito foto de obeso emagrecido em porta de geladeira. Pra manter a saúde, tomou por hábito comer os nomes pela manhã. Trinta e três mastigadas e os nutricionistas garantem uma perfeita digestão - é o que dizem. José. Anselmo. Antônio. Lauro. Pedro. Maurício. Renato. Fernando. Sem nenhum líquido gelado entre um e outro pra ajudar a empurrar as dores garganta abaixo - dá barriga, dizem também. Pra evitar que a gastrite vire úlcera, melhor seguir as recomendações médicas. E ainda misturá-las com mel. Essa história de viver azeda já lhe causou transtornos demais. E escassez de poesia. Antes evitar a recaída que deitar todos os dias com os espasmos dos sexos que já lhe fizeram flamejar as curvas. Melhor compreender que o amor é logo ali, e não nas palavras anoitecidas dos dias que despencaram sem vida com o surgir da lua das mortes anunciadas. E deixar-se rodopiar de mãos dadas com o sopro frio que invade a nesga da janela entreaberta, enregelando os amores idos - nunca na espera - mas coração sempre aberto pro que há de vir. Porque borboleta parece flor que o vento tirou pra dançar. E as suas asas - na des-ânsia dos sentimentos - floriram enfim multicores. E estão mais que nunca prontas pra bater. E amar.


Sylvia Araujo




PS: Esse texto nasceu depois de ter lido o verso lindo entregue pela Renata, num dos tantos delicados posts dela no Estado de Entrega. O link está voando feito florboleta bem ali, no finalzinho das letras. Juntinho com todas as cores do amor - que há sempre de vir.

5 comentários:

Ju Fuzetto disse...

E todo amor que floresce no peito bate asas e voa!!!!

Lindooooooooooooooooo!!!

beijo!!!

Essência e Palavras disse...

oI
Te encontrei no blog de uma amiga, Ju Fuzeto.

adorei o que li aqui.
Bom gosto!

Estou seguindo-te!

beejo

Leo disse...

Sylvia, que lindo seu blog, ainda bem que tu me achou, assim passei a conhece-lo. agora vou la tomar um expresso bem quentinho esparramado nas almofadas.

Beijos!!!

líria porto disse...

olá, sylvia - obrigada pelas tuas palavras lá no ranto mar...

ler este teu texto tão inspirado me fez lembrar deste poema:

desejo
líria porto

teimam em voar
tremulam as pétalas

flores são borboletas
amarradas pelas pernas

*

(está publicado em meu livro "borboleta desfolhada"

besosssssss

Solange Maia disse...

uau... que texto rico, quantas palavras lindas costuradas... quanda continuidade, mas o que mais me encantou foram as palavras isoladamente.... incrível !!!!

amei.

vou ler de novo.

beijocas