Este blog é uma reunião de textos exclusivamente autorais. Para conhecer mais de mim, dividir sons e sabores poéticos, musicais, cinematográficos, e tantos outros cheiros mais além dos meus, venha tomar um expresso esparramado nas almofadas fofas do meu outro blog, o Abundante-mente. Te espero lá com as velas acesas.

22 de maio de 2010

Azul

Olhou para o céu estarrecida - aquele azulado uniforme acordado inteiro em teto sem trincas, nem uma nuvem sequer para estremecer tanta lonjura e autoconfiança. O azul não tem medo - alguém sugeriu um dia. Não se sabe porque, mas ele nunca tem medo. Sacudiu em espasmos os ombros ossudos ao mesmo tempo em que eriçavam voluntariosos os pelos finos dos antebraços. Aquela brisa constante soprando incessante de dentro pra fora. Aquele gelo nas palmas das mãos. E nas solas dos pés. O corpo inteiro sacolejando horizonte, uma sensação irreprimível de sem fim embalando o estômago mareado. Imensidão sufocante amordaçando a garganta seca. Não caber em si - e ter consciência de sua pequenez interior - fazia o tecido esticar até o limite. Limiar inconteste é a linha tênue entre o prazer e a dor de ser em si. E nada além. Sentiu um a um cada poro rompendo, explodindo em eufórica libertação. Inspirando profundo a magnitude daquele instante - peito transbordando - expirava medo. Escapava-lhe das narinas o sopro quente do pavor. O que fazer, meu deus, com tanto azul? E aquela infinitude toda que sempre que se faz presente, lhe arranca pedaços com os dentes afiados e lhe deixa buracos enormes no peito? Não cabe. Ela sente que não cabe tanto destemor, tanto azulado destemor no seu coração cinza. Duro e cinza. Medroso e muito, muito cinza. Aquela cor maldita, aquele matiz de beleza tão singular e íntegra invadindo assim seus olhos negros e encharcando de música inteiro o frágil corpo-invólucro. Cansou de vazar. Exauriu de escorrer. Então, num ímpeto desesperado de matá-lo, extinguí-lo para que pudesse viver enfim em paz alimentando de nãos seus dias - como todos os dias - cravou enérgica a cintilante tesoura dourada afiada bem no meio do arco da íris opaca. E no exato momento em que tudo perdeu a cor, suspirou profundo e sorriu de lado. Desde aquele fatídico dia, o tão imaculado e imenso azul inteiro, que tantas vezes lhe tirou o sono, dormiu. Enegrecido e vencido, sucumbiu.


Sylvia Araujo



PS: Note alheio sequestrado = texto novo. rs

5 comentários:

Evandro de Souza Gomes disse...

Guria...Belíssimo texto.
Parabéns!
Abraços

Evandro Gomes

Anônimo disse...

Maravilhoso!
Seus textos são ótimos!
Beijos!

Juan Moravagine Carneiro disse...

Toda vez que adentro em seu espaço me surpreendo e muita das vezes me perdo em seus escritos na tentativa de participar de sua dança com as palavras...

Agradecido pelas visitas ao Rembrandt

Abraço

Cynthia Lopes disse...

Sylvia, ô prosa bonita. Não só isso, mas também doída e apaixonante, em tão poucas linhas um personagem inteiro!
Vc me surpreende sempre.
bjs

Fabi Anselmo disse...

Geniaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaal
Profundo e despertador.
Parabéns!