Este blog é uma reunião de textos exclusivamente autorais. Para conhecer mais de mim, dividir sons e sabores poéticos, musicais, cinematográficos, e tantos outros cheiros mais além dos meus, venha tomar um expresso esparramado nas almofadas fofas do meu outro blog, o Abundante-mente. Te espero lá com as velas acesas.

3 de abril de 2011

Muda sinfonia

É longe, a noite.
Ainda que aqui
- em mim -
é braço inteiro de distância
mais dois sorrisos
murchos.

É dentro, o escuro
que engole a chama tremulante
e vara
os dois pontos brilhantes
- equidistantes -
do teu céu.

Fecha os olhos
e canta,
que amanhã
azulo.

Sylvia Araujo

26 de março de 2011

Duro poema cru

Outoneço. Desverdeada, busco insana um porto onde espreguiçar o olhar - esse olhar que hoje me esparrama tristezas que até as palavras ir-reconhecem. De dentro, vem em golfos lava fervente que me escorre, abrupta. É súbita a destemperança que reveste de escureza esse tão cheio vazio que me carcome as tripas: é urgente o nada a dizer. Portanto, nada digo para que não se gaste o gesto - escoo em tortuoso e duro poema cru, o medo. Sozinho-me em desbotados instantes meus e anoiteço letra - ela há de empacotar com cuidado os miúdos haveres, há de dar fim ao que não se presta a ser sol. No espelho trincado, aquela mesma conhecida imagem nuveada, cinza. Na ponta dos dedos, a desesperada poderosa transpiração dolorida dos enlouquecidos de amor. Ajeito, então, uma vaidade qualquer no corpo ainda rígido e sigo. Porque, do coração, já me escapoliram há tempos as rédeas das mãos.


Sylvia Araujo

23 de março de 2011

Maneco

Maneco é nomecarinho, apelido de Manuel dos Santos Anjos, dado por sua mãe de frágil raiz, ceifada poucas horas depois do sofrido parto. Doente do coração, desde nova dividia o peito com o vento morno que lhe soprava dentro e lhe fazia palpitar em arritimia a bomba falha. O quanto de ar que faltava era o mesmo tanto de amor que brotava, enquanto acarinhava embevecida a barriga imensa, morena e redonda feito lua inteira. Trazia Maneco no ventre e, com ele, seu eterno continuar em botão de flor. Maria sabia e ninava a certeza da poesia que brotava dentro de si, cantarolando baixinho seus intocáveis amanhãs.

Sozinho, filho de pai desaparecido e mãe enterrada, neto de avós distantes e sobrinho de não se sabe quem, cresceu aos trancos e barrancos no meio de incontáveis sementes ocas que não germinaram. Na terra árida e endurecida - não se faz ideia como - vingou. Inexplicavelmente, manteve-se firme e ereto sobre os estreitos caniços, que até hoje exibem distraídos mais marcas que sua própria pele azeitonada - lembrança irrefutável de Mariamorena. Cópia quase perfeita de sua mãe - exceto pela ausência de alguns poucos dentes - Maneco, em osso e pele, minuto a minuto resistiu.

É março. Chove copiosamente em um Rio de Janeiro cinzento, e do asfalto esburacado brotam, a cada segundo, lagos amarronzados pontilhados das mais variadas imundícies metropolitanas. Entre guimbas baratas - carimbadas por carnudos lábioscarmim - e prisões plastificadas de espermatozoides malsucedidos, tem de tudo - uma variada gama dos dejetos humanos mais inúteis que se possa cogitar. Há quem pise em cheio nas fundas poças e maldiga dez gerações futuras mais seis passadas. Há quem simplesmente afunde e chore chuva. Maneco, aos vinte e poucos, em mangas de camisa e chinelos de dedo, sentindo as gotas beijarem seu corpo e cantarolarem no meio fio da vida, enternecidamente sorri.

Ele anda indiferente aos atropelos do centro da cidade apinhado de guarda-chuvas multicoloridos em pé de guerra. Eles se estapeiam, os mumificados ausentes donos dos para-águas. Ferem-se mutuamente com suas pontas afiadas cheias de ferrugem alaranjada, com seus cotovelos pontiagudos, com seus olhos vítreos - frios feito punhais. Maculam quem passa na medida exata com que arranham a si mesmos, todos os plúmbeos dias. Só ele vê. Com seus olhos de Midas - herdados de Mariamãe - só Maneco é capaz de ver a vidaviva que se pode viver, quando não se tem mais nada - coisa nenhuma a perder.

Sylvia Araujo

16 de março de 2011

(Re)Para e Re-começa

Repara, amor, com cuidado, o som de veludo que ecoa das nuvens, quando escorregam as fofaspantufas no teto estrelado, escuta. Repara o halo azulado daquela com laço de fita e sente, ao longo da espinha, o calor que esparramam seus braços, enquanto rodopiam - imensos - de encontro ao dourado do sol. Repara, pequeno, o verdedoce gostoso dos dias, o poder da ínfima gota, a inteireza brilhante do extenuante caminho do broto, germina. Repara os dedos compridos da chuva que tamborila cantigas serenas, no embalo do teu justosono, acalenta. Repara, de olhos fechados, a imensidão do horizonte do mar - as negras ondas, a espuma farta, a luatoda em mergulho nu, submerge. Repara no roto, no feio, no sujo, no espelho - repara em si mesmo, alimenta. Repara o nada que vibra no fundo do peito, repara o vácuo, o liquefeito, revê. Repara, meu filho, repara a vida que escapole da terra molhada e te acarinha - suave cetim. Percebe o sutil e inesgotável prazer que os rios têm em sempre recomeçar. E re-começa - todas as vastas manhãs.


Sylvia Araujo

9 de fevereiro de 2011

- fenda, ferida funda -

Armada, armazena tocaias e arapucas. Foge. Esnobe, manda e desmanda. E sangra, e escorre, e grita - estapeia(-se?). Minimiza – máxima - e, tácita, entreolha ácida o que nunca foi. Assim, alheia, desmancha, deteriora - em-pó-(p)rece. E chora – implora - se faz falta, evapora. Ela ama! Ah! É toda cama - ama como nunca na vida amou! Mas já é ontem quando o sol desiste. E ela sabe. E invalida, inválida. E insiste, arrasta o nunca, empurra, afasta. E se arranha inteira - metade arrancada. Não cabe! Ainda assim, buraco dentro – fenda, ferida funda - nunca cabe o que se ausenta. É um tanto de peito inteiro - é vácuo. É receio, névoa, neve derretida. Ela é partida. Sem linha de chegada, desejo: o suspenso etéreo desejo de um primeiro - e último! - beijo.


Sylvia Araujo

8 de janeiro de 2011

Entredentes

Aquela boca - admirável talho carnudo engolidor de nuncas. Jamais me permiti o destempero de dizer nunca àquela boca, sendo. Ela é - inteira ela, e sempre, a boca - um corpo inteiro em arrepio etéreo, um quase-incêndio, fogo entredentes. Um mundo vivo e pulsante, a se dissolver lentamente no acentuado côncavo daquele céu - não há estrelas, mas mel.


Traz consigo, tatuada entre os talhos ressecados pelas jornadas de excessos - beijados por seus fartos pelos de aurora - a réstia de um beijo, eu sei. E o brilho pegajoso das máximas urgências que construíram ninho, ao longo dos anos, em sua delicada fenda rosada. Todos os dias ela amanhece em fresta, e se faz de ontens. Mas é inteira amanhãs, em mim.

Seu canto me enluara. Faz do meu sertão flor da pele, lua – inteira nua - por entre as nuvens fartas. E arrasta consigo - debruçado no contorno sutil dos lábios entreabertos - o resto das noites brancas em que me escorreu, entregue. Ainda que haja luz, abraça com a ponta da língua o sal dos escuros da chuva. Ela chove, a boca. É relâmpago, raio, trovão – alto-mar bravio, em zanga de furiosas águas. E sorrindo, - bonita sabedora de seus tantos encantos - ensolara, gargalha e geme, como quem estivesse sempre vivendo ou sangrando.

A mando de dentro, brota. Em gotas. E – em inevitável destino-caminho – se encarrega, sozinha, de virar rio aqui.

Sylvia Araujo

Um(idade)

Caudaloso rio
esse teu branco corpo
de águas doces-claras.
Dentro de si
arrasta mar
aberto-vivo
por entre
as pedras lisas.
Turbulento e revolto,
é úmido
teu bem-querer -
poesia-nua
de albatroz
em caça.
E eu,
sardinha,
brilhante e estapafúrdia
sardinha,
pronta
pra ser devorada
por ti.

Sylvia Araujo

Ousadia

Esfregam-se em meu olhar
todos os dias
infinitos olhos.
No fundo de todos eles
apenas um par
- e seu castanho-amendoado,
profundo mar -
que me olha
me estreita
molha
e espreita
que quase me cega
com seus tantos seres,
reféns-aprisionados
em duas íris só.

Dentro de mim,
dois olhos-chocolate.
Em você,
a bonita ousadia
de ser multidões
aqui.

(Tudo o que eu queria agora era poder sentir o cheiro do teu silêncio com a ponta dos dedos)

Sylvia Araujo

Drummond nos teus olhos

É dia de dizer coisas que não se diz a qualquer um, eu sinto. Enquanto você não vem, engulo as palavras uma a uma, bem enroladas, quase emboladas, e guardo-por-pouco-perco lá, bem lá no fundo do peito. No dia em que você chegar, muito perto, quase dentro, vou te saltar no pescoço largo e te encher dos meus melhores beijos, eu sei. E vou esquecer tudo aquilo que ia te dizer agora, nesse exato-angustiado momento, porque perto dos teus olhos de horizonte, toda a importância vira sopro e derrete - praticamente desaparece - bem no meio desse teu oceano lilás sem fim.


Sylvia Araujo

22 de novembro de 2010

Offline

Olhou no espelho depois de semanas ausente de si. A barba por fazer dizia das léguas de distância e da altura do muro que construiu ao redor. O fio branco e reluzente no meio da escuridão no alto da cabeça não era nada diante daqueles olhos sem vida. Eram seus, não havia dúvidas. Mas de quem seria aquela dor que não lhe doía, mas lhe havia matado? De quem seria toda aquela imensa falta de amor?


Sylvia Araujo

18 de novembro de 2010

Cíclico

Brotei
gota.

De um fino
filete
em nascente
de cachoeira
descendo o rio
virei mar.
Beijada de sal
ensolarou
evaporei
renasci
nuvem.

Hoje
choro
tenra chuva
na busca
da essência
de ser pingo
pequeno
e límpido
novamente.

Re-começar
em ciclo
pra sempre
outra

- gota.

Sylvia Araujo

11 de novembro de 2010

Borboleta nos trilhos

Caminhava, linda e delicada. Um passo após o outro - a ponta de um dos pés descalços, tocando cuidadosa o calcanhar seguro. Os braços abertos mantinham em equilíbrio o corpo leve e franzino, e davam a ela um quê de bailarina manca. Ela vibrava nos trilhos. E sorria inteira em sua falta de dentes, era pura inocência, menina. O sol rasgava o azul, e seus fiapos brilhantes atravessavam a seda dourada que voava ao vento. Um fio da trança quase solta beijava a flor meio murcha presa atrás da orelha pequena. Seus olhos seguiam o horizonte, como se lá estivesse guardado o maior de todos os tesouros. Ela comia o futuro com a avidez dos que carregam em si a certeza de nunca terem certeza de nada. O trem, suspirando fumaça em seu ritmo marcado pela rotina dos dias, vinha operário. A menina então, se afastou da rota e deitou no chão - os olhos cinzazulados cerrados, a respiração suspensa - sentindo subir pelas costas cada vagão, cada roda. Tocava toda pedrinha pontuda com a extremidade dos dedos e as levantava com um arco do fino braço, deixando cair uma a uma as notas da sua melodia. Era o trem, era ela, era a incerteza e a beleza do improviso em forma de criança ensolarada. Era a música dos dias, do cinza, do morto, e daquele amarelo brotado em tranças, escapulindo sorrisos pela janela da boca dela. Ela era casa aberta, sinfonia escorrendo pelas portas brancas. A locomotiva, altiva e certa em seu caminho indesviável, sem olhar pra trás, sorriu.

Sylvia Araujo

4 de novembro de 2010

Pequenezas

I.


Essa dor que carrego nas palmas das mãos - recém-nascida que grita de fome, enquanto eu não tenho mais peito que lhe alimente os medos. Ando paz. Caminho esperanças. Que grite, dor. Que berre. Que morra de fome enquanto eu vingo de amor.


II.

Ouvindo Vivaldi. E parece que os insetos também, em seu balé irretocável em volta das árvores. Sobem e descem, rodopiam - quase dão as mãos. E se separam, batendo as asas pequenas em Allegro. Por entre os bambus, a vida farfalha. O assobio do vento acompanha o mar que me corre por dentro. Cheiro à terra molhada. Encho enchente - barro(o)ca.


III.

No meio do mato, despertador é revoada de maritacas. Cantiga de ninar é grilo, que cisma em fofocar com sapo ao pé de estrelas. A música é o vento, que beija as folhas como se fosse seu primeiro e único amor. A beleza é a imensidão do nada - verde musgo com pitadas de azul-céu. E é pra lá que eu vou. Vazia, pra encher de tanto e voltar maior.


IV.

Trago no peito uma rosa em broto. Na mão, a faca - incapaz de decepar-lhe a vida.


V.

Vinha pairando - beira d´água. Os pés descalços assoprando ao vento a areia fina, as unhas vermelhas recém-beijadas de mar. Nos cabelos, trazia um cheiro de vida amanhecida - transparente poesia. Cruzei seus passos, a dois centímetros de tocar sua mão. Ela me olhou no susto do vácuo que o tempo fez atravessar seus dedos nus. E naquele mel, derretido, eu vi. E tive a certeza mais certa da abelha: o meu caminho era ali.


VI.

Tudo que queria era aquelas mãos de pianista, seus dedos ágeis e longos, desenhando o contorno dos seus olhos à meia-luz. Adormecer com a serenata das falanges compridas rascunhando suas sobrancelhas fartas. Sonhar com notas de marfim. E amanhecer melodia.


VII.

Os olhos sussurram. Silenciam, lamentam, sorriem. São janelas escancaradas ao pôr do sol morno e às tempestades enraivecidas. Jardins brotados, cores. Desertos - areia e vento. Pedras de gelo, diamantes. Brutos. Os olhos vão, me são, tensão. Eles estão - um fio. Fino, leve e vivo - ligação direta dentro-fora, aqui-além. Coração que escapa. Peito que vê. Sou toda olhares.


VIII.
No meio de um soluço, a iluminação. Foi um erro - broto do desespero por sentir-se vivo. Abraçou o violão e compôs um tango. Rascante. Que lhe cortou os dedos e lhe arrancou o sangue em suspiros mórbidos. Dez mãos de terra e o sepultamento - sorriu.


IX.

Andava vazio. Cada pedaço de mato, de riso, de espanto, fazia crescer a montanha no canto do peito. Até que um dia ela veio. E brotou bonito pelos olhos - seus galhos verdes anunciando a primavera. Então, ele ventou com força e espalhou seus cacos - abrindo espaço no coração - pra que ela pudesse espreguiçar seus sonhos e hastear, enfim, a bandeira da invasão.


X.

No início, parecia uma valsa. Aqueles rasgos vermelhos na boca do céu - dois pra lá, dois pra cá. Os gritos me remetiam a um coro, uma ópera, talvez. De olhos fechados, eu tentava afastar aqueles olhinhos brilhantes. Eles tinham a vida magnetizante de uma bala de fuzil e insistiam: porquê? Eu não sei, anjo. Eu não consigo entender porque um homem deste tamanho carrega nas mãos um brinquedo que mata. E esse sorriso idiota na cara.


Sylvia Araujo

26 de outubro de 2010

Às moscas

Diante do álbum amarelecido pelos anos de clausura na gaveta dos esquecimentos, espantei-me ao ver radiante aquele garoto mirrado. Ostentava, do alto do trono da infância, um sorriso branco e sincero - ainda que incompleto e distante. Já não me recordava daquela felicidade sem pretensões. Daqueles olhos translúcidos, daquele peito aberto - daquele eu sem medo. Esbocei incrédulo, frente à fotografia gasta, um meio sorriso oblíquo. Não pelo que sou hoje - esse velho decrépito, lacrimejante de ontens em preto-e-branco - mas pelo menino inteiro do qual me vesti nos anos idos. Pelo que poderia ter sido e fracassei, acovardado. Por aquele que - pelo acaso dos passos na mata fechada dos sentimentos daninhos, que me atormentaram anos a fio - desencaminhou-se e perdeu-se para sempre de mim. Uma lágrima gorda atravessou-me os vales vincados do rosto. E apreciei, salivando, seu gosto amargo. Como quem arranca de uma vez um naco de vida dos dias mais verdes. Como quem inspira 50 anos de árvore em um só segundo. Eu não queria ter amadurecido. Poderia ter evitado as moscas asquerosas, flutuantes sobre a minha decomposição. Ainda assim, apodreci.


Sylvia Araujo

19 de outubro de 2010

Pés armados

Enquadrou o meliante. Depois da revista geral, um tête-a-tête. Assaltante que se preze não desvia o olhar, nem se rende fácil à intimidações. Ele era profissional. Chegou bem perto até as respirações se fundirem. O ar saindo de um e entrando no outro, num enfrentamento cíclico e asfixiante. Com a pulsação acelerada, puxou o gatilho. A bala perdida acertou em cheio e derrubou a seus pés o ladrão de corações. Ela pressionou o salto quinze de leve no vale de sua traqueia - enquanto ele acariciava com as mãos ásperas sua batata branca da perna - e sussurrou entredentes, com um sorriso de canto: perdeu!

Sylvia Araujo

14 de outubro de 2010

Ao meu rei Artur

Artur vem chegando num sopro de brisa. Antes de beijar demorado sua testa rosada e abraçar em aconchego o seu corpo franzino, já lhe faço uma coroa. Todos os dias fio uma volta: hoje é carinho. Ontem, felicidade. Amanhã, começo a enfeitar o alto da cabeça com as nuvens mais fofas - azulbebê. Artur vem chegando com todas as flores e cores do mundo. E sorte. Muita sorte de conhecer o amor, antes mesmo de receber o primeiro sorriso. Porque eu amo tanto, que não cabe em mim a felicidade de conceber o meu primeiro sobrinho. Artur é meu rei, de pernas cruzadas, nadando gostoso no quentinho do ventre. Ele é mais uma estrela dessa constelação que faz minha vida brilhar todos os dias. E meu peito ansiar fevereiro - já é carnaval aqui dentro.


Sylvia Araujo

7 de outubro de 2010

Oceano em brasa

Aquele mar aberto
no fundo dos olhos.
Aquele sem fim inteiro,
flamejante.
Aquele sempre
aquele nunca
aquilo tudo escondido
e entregue.
Aquele verdeazulado que grita
sem dizer uma única palavra.
Aquilo tudo em mim:
um nada-tanto tatuado
a ferro quente
no corpo em brasa.

Sylvia Araujo

26 de setembro de 2010

F(r)io

Amolou a lâmina fina na pedra gasta e atestou o fio da faca na palma da mão. O aço cortante fez brotar um rio vermelho entre as linhas da vida e da morte. Faltou sorte. E um coração no peito. Com o olhar perdido no reflexo do espelho, afundou a ponta brilhante na veia saltada do pescoço. O colo arfante suspirando o último ontem. O frio do medo, o frio da lâmina, o frio do fio - tênue. Sangrou todos os medos, escorrendo todas as dores. E acabou. Sorrindo.


Sylvia Araujo

16 de setembro de 2010

Um cisco

No broto manso

o pavor da foice.
Já se nasce
à beira da morte
- diz a noite.

O sopro pálido
leva a flor de goiabeira
pra longe.
O vácuo frio
engole a chama tremulante
da vela
- o pavio, a cera
o toque do tambor, o uivo.

Um silvo longo
anuncia o tempo
que mingua
estreito
antes um cisco
do horizonte corar
diante de tanta beleza

A aurora em mim.
Sylvia Araujo

30 de agosto de 2010

Navalha


(Alto mar no final do horizonte - Joca Libânio)




Entorpecida.
Violada. Rarefeita.
Violentamente (desman)telada.
E toda. Viva.
Um mundo inteiro dentro
a regurgitar belezas.
Tão grande-imenso. Tanto.
Tão pouco santo. O manto.
Jardins brotando em fúria
de flor em cacto. Seco.
Rompendo estéril. Um risco.
Asas me rasgando o peito.
Nu.
Completamente nu. Alado.
No céu da boca, o sal.
A gota - gorda.
E no minuto seguinte a morte.
O calabouço. O medo.
E o calor da sorte
a me acetinar o frio.
E o sabor do vento
a me saltar dos olhos.
Enlarguecida.
Emocionada. Liquefeita.
Amanhecidamente enluarada.

(entregue)


Sylvia Araujo



À Joca Libânio e sua música perturbadoramente silenciosa.

25 de agosto de 2010

Neutrino

Amanheceu lentamente em olhos anoitecidos. O peito, enfaixado ponta a ponta de silêncios, chorou baixinho - como quem murmura ao vento frio sentimentos indizíveis. Na cabeceira, a vela acesa da noite escura resistia. Pequena e morna, em seu amolecido derretimento de vela. Aquelas sombras enormes a lhe pegarem pelas mãos geladas. Aquele mesmo conhecido medo a existir sem. Aquele mesmo sem. A resistir só.


Sylvia Araujo

10 de agosto de 2010

Braile

Sou
inteira
pedaços
fragmentos
cortantes
sílabas
impronunciáveis.

À lápis
me escrevo
à espera
de quem
me soletre
os relevos

- em braile.

Sylvia Araujo

8 de agosto de 2010

Teatro

Ensaio de Marcia Medina para o meu monólogo Serial Kiiller. Em breve estreando em São Paulo.

Aguardem!

Parte I

Parte II

28 de julho de 2010

Ainda bem

Amanheceu verde - musgo fértil em ventre de pássaro brotado em horizonte. Antes de abrirem as janelas, lhe descortinou rebelde um sol redondo pelos olhos negros - os raios quentes lhe atravessando íntimos os poros abertos. Sorriu bem dentro, em céu da boca estrelado e dentes pequerruchos de marfim - as covinhas afoitas se debruçando enamoradas no parapeito das velhas rugas - e lentamente amareleceu. A brisa morna fez dançar de leve as cores vivas no varal, e veio delas em magia um cheiro adocicado e primaveril de campo em flor. Um gosto exuberante de tomilho lhe tomou de assalto a ponta da língua - sabor de lembrança que abraça apertado e não deixa partir. Permitiu então que brotasse em pura nascente uma lágrima bonita - perfeita em sua transparência arredondada - que lhe atravessou solene o rosto estreito, como quem mergulha de corpo inteiro em mar aberto, como quem assopra com toda a força dos pulmões um dente de leão - só pra ver a sua alma voar. Dia pleno, pediu ao marido-encantado que lhe escovasse com energia os brancos fios, pra sentir de olhos fechados mais uma vez o prazer do couro cabeludo se esparramando em cascata pelos lençóis trocados - a maciez de algodão a lhe afagar delicada os ombros cansados. Ao longe, uma melodia suave serenava - flautas transversas e violinos em dueto, conversavam poesia sobre rosas-chá. Falavam emocionados do brilho das estrelas e do coaxar dos sapos, como quem fala de champagne e caviar - ela embevecida, ouvia. Noite alta, pensando - o ar faltando e o amor sobrando no peito murcho - achou um bocado estranho tanta vida lhe assoberbar assim os minutos contados, fazendo toda essa batucada irrefreada no coração exausto. Então, em sussurro abraçado ao último suspiro - mastigando com calma todas as vezes em que pisou descalça a grama e dançou em par na chuva - agradeceu baixinho: ainda bem que em mim tudo sempre foi assim. E voou.


Sylvia Araujo

25 de julho de 2010

Contramaré

Envolta no ar rarefeito das minhas noites vazias, cato - uma a uma - as recordações espalhadas pelos meio-fios imundos dos sonhos que sonho. Você está sempre lá, piegas em seu romantismo exposto, em seu peito aberto, em seu derretimento de pessoa que nasceu para amar - e não se importa nem um pouco em ser contra-mão. É sublime a entrega que me faz desse teu coração sem remendos, assim, na bandeja dos dias. E eu te nego, como nego a mim mesma, fazendo cara de nojo e cuspindo com força no prato em que comi. Não te quero inteiro-rastejante - fecha os olhos e me escuta. Eu te quero não, entende? Te quero a negação dos meus desejos, dos meus planos de menina boba à espera do príncipe encantado, das minhas aspirações de mulher feita. Te quero o que não pode ser, porque só assim me rouba o sono e me deixa latejante à espera de um porvir. Só assim me tira o ar e os pés do chão. Não nasci pra ser pato em lago plácido, mas tubarão em mar revolto à espera da caça, camuflado na vastidão azul enegrecida das profundezas. Preciso nadar com fúria - contramaré furando as ondas - até me quedar exausta e sentir a vida viva pulsando em ária por debaixo da pele. Preciso que você me escorregue por entre os dedos, pra que eu vá enlouquecida ao teu encontro e te segure firme pelo pescoço - meu homem. Te quero arisco, imperfeito, falha. Te quero navalha no pulso, sussurro inclemente, sexo. Por isso hoje, em letras borradas, esse amor intocável arde. No cinzeiro cheio de cigarros fumados, os restos de uma carta* - cinzas de um nós que nunca existiu além de aí, dentro de ti.


Sylvia Araujo


* João Guimarães Rosa - A inspiração.

22 de julho de 2010

Amputada

No vaso
no centro da mesa
a flor
reinante
em amarelo
implora
em silêncio
torturante
a luz cálida
do dia.

Deseja
quase murcha
a terra
fértil
e restaurada,
os beijos
doces
e o sopro
torpe 
das borboletas.

não há quem
possa
lhe criar raízes
onde
a faca
cega 
lhe amputou
o talo.

Não
há quem possa.

Sylvia Araujo

16 de julho de 2010

Lareira

Le mins (qui)na
Lê meus lábios
Lê meu corpo
Meus pelos
Meus braços
Lenha me
Na cabeceira dos dias
Abajur ligado
Me enluare
N(cr)ua.

Sylvia Araujo

11 de julho de 2010

Securas

Ela sabe dos hojes. Antes que o sol desponte, que o calor aqueça, que a luz ofusque com tanto brilhar, levanta e repete incessante todos os passos de todos os dias. Ainda se assombra com a imensidão dessa sombra que lhe persegue os chinelos até o banheiro e de volta pra cama. Ainda tem medo da morte que ronda, que abraça e sufoca seus sonhos, seus planos, sorvendo seu ar de bailarina amputada com a lentidão malevolente dos carrascos. E ainda assim, tremendo, temendo, não revida; aperta estreito os olhos pequenos e franze com força a testa larga - os tantos fracassos rasgando estrada entre as sobrancelhas grossas. Camila costura desejos com linha solta desde que se entende por gente. E a cada passo um pedaço enorme de si despenca no chão - o corpo estremece. Espera ansiosa que a claridade desfaleça em rotina por detrás das cortinas e lentamente se esvaia, para que a escuridão se justifique em si mesma e não precise dar explicações pra tanto negrume que carrega no peito - pra tanto não no coração. Menina bonita em capa de chuva, respira ofegante entre insucessos e securas, porque nunca foi capaz de dar um laço. Jamais abriu sequer um tímido sorriso pra flor que desabrocha dançarina no jardim ou deixou que a brisa morna lhe beijasse os cílios e fizessem voar livres as mechas douradas dos cabelos soltos - é mais fácil viver de resmungos e não-ditos do que abraçar apertado as inconstâncias, e aprender vez ou outra com o dolorido das ausências. Cavando com as mãos compridas de unhas vermelhas roídas um buraco profundo e estreito, suspira cansaço e se deixa enterrar pela terra fecunda. Pra ver se um dia - quem sabe - vire raiz e renasça feliz; e seus hojes vazios-cinzentos desabrochem, enfim, em surpreendentes e coloridos amanhãs.


Sylvia Araujo

8 de julho de 2010

Fênix

Rasgou meus livros
Partiu meus discos
Arranhou os móveis
Quebrou o espelho
Juntou suas coisas
Nem um adeus

Dobrando a esquina
me ouviu sorrir
e lembrou que
esqueceu
de atear
fogo
em
mim
X

Sylvia Araujo

6 de julho de 2010

Semente

Ela vivia me dizendo que tinha asas - amarelas, enormes, emplumadas. Mas eu não botava fé. Nunca fui de acreditar em nada que meus dedos não pudessem sentir, ou meus olhos acompanhar. Se era mesmo alada, como é que não voava? Tanto céu por aí, dando sopa. Se fosse eu, dava rasantes por cima do verde do mar e escolhia as minhas estações preferidas, só mudando a direção do voo - norte-sul-além-azul. Um dia, lhe ofereci meu precipício mais alto - o maior dos buraco que trago no peito - só pra ver se ela se jogava lá de cima, corajosa, impetuosa, e flutuava. Mas nada. Ela me disse por trás de um sorriso, que saltar de cima de penhasco é suicídio, e quer mais é viver essa vida danada de boa e ser muito feliz. E disse ainda que as asas só funcionam mesmo na imaginação, quando a gente abre um livro, por exemplo, e vem dele um cheiro, um sentimento, que faz o coração ficar bobo e levantar do chão. Mas meu coração é pedra, eu disse a ela, pedra pesada não rola e nem sonha. E então, ela abriu a boca pequena e rosada e fez soprar lá de dentro aquele vento suave e morno de primavera em flor. E me fez brotar inteira - pétalas multicores me subindo aos montes pela cabeleira. Beija flores dóceis vinham me pousar nos olhos e tiravam levemente meu corpo do chão. Ela, bonita em seus montes de laços de fita, abriu suas asas compridas de sol e me levou pelas nuvens, bem longe dali. Lá, pertinho de onde a tristeza não mora e a beleza explode nos poros da gente, abri meus braços de penas e chovendo salgado, amanheci semente.

Sylvia Araujo

2 de julho de 2010

Pra puta que pariu

Vento na cara, a cabeça quase toda pra fora da janela e um sorvete de baunilha derretendo na mão. Exatamente essa foi a cena esdrúxula que me fez sentar ao lado daquele cara quase maltrapilho que escutava Roberto Carlos no último volume, num mp3 fodido de visor rachado e que ainda por cima fedia a cerveja choca. O mais inacreditável é que ele quase não se mexeu quando lhe dei um tranco na perna direita escancarada, como maneira educada de dizer chega pra lá, ô caralho! Fiquei intrigado, te juro. Quem é o retardado que meio dia - sol à pino -  um calor do caralho fundindo qualquer cérebro que efetue a mais mobral das adições, fica em pleno ônibus em dia de branco praticamente gritando "vou me agarrar aos seus cabelos, pra não cair do seu galope", enquanto aquele creme amarelado e espesso escorrendo em bicas pelos dedos caga a calça toda? Visão do inferno, né não? E ainda assim, com pelo menos doze opções de lugar pra sentar em paz, eu queria estar sentado ali. Você pode elaborar todas as teorias psicológicas embasadas em todos os estudiosos de mentes insanas que talvez nem tenham nascido, e com certeza não vai conseguir chegar a uma conclusão plausível. Nem eu. Nem ninguém. Porque é realmente impossível compreender o que pode atrair alguém feliz, bem sucedido, filho de pai e mãe equilibrados, carreira de administrador de empresas em plena ascenção em um ano e meio de formado, e um namoro de quinze anos sem qualquer tipo de estremecimento ou ruptura - e olha que eu só tenho 28 anos! - a um pulha desses. Um merda, um meia-boca, que provavelmente mora com os amigos em um muquifo qualquer, porque ninguém suporta nem merece limpar tanto vômito consecutivo nessa vida. Tô falando besteira? Acontece que esse filho da puta do André mudou a minha vida. Você deve estar aí se perguntando: peraí, como é que esse cara sabe o nome da figura? Pois bem, eu preciso te dizer uma coisa muito séria. A partir daquele dia que aquele cara levantou daquele banco cinza imundo, o cabelo todo desgrenhado por causa da ventania poluída, enfiou a mão gosmenta no meu ombro e falou foi mal aí, irmão, eu larguei aquele emprego de bosta, mandei todo mundo pra puta que pariu, troquei aquela anta por uma viagem de mochila pela Europa, tomei o maior porre da minha vida - tá, disso eu não me orgulho - e comprei um violão. Hoje eu te digo de coração, meu camarada: não tem nada melhor nesse mundo do que sentar com aquele merda numa praça, birita e cigarro do lado, sentir esse vento fedido na cara e tocar um blues até a lágrima cair.

Sylvia Araujo



PS: Pra conhecer a alma livre, que fez com que esse texto me brotasse inteiro de uma só vez, praticamente sem pausa pra respirar, clique aqui e aqui. Valeu garoto, você é bom! ;)

30 de junho de 2010

Neblina

Não, você não faz ideia do quanto é grande, do quanto eu sinto, do quanto eu quero e espero de nós. As tuas mãos nos meus cabelos, as tuas curvas entre os meus dedos, teu sol inteiro violando ávido os meus sentidos - um a um. Falta teu ar nos meus dias, amor. Me falta você. Dói feito punhal cravado no peito, esse torto amor reticente em tanta inteireza de entrega. Eu te amo louco, desvairado. E ainda assim, doído, parto. Refaço as malas que nem desfiz, e parto. Respiração suspensa, espero sempre que você se vire, que você me olhe, que você me peça que fique e te ame, desvairadamente te ame até o amanhecer. Mas você soberba e mulher segura, retoca com calma a máscara dos seus dias mornos e segue - intocável estátua de cera derretida dentro de mim. Hoje carrego a tua alma bonita em um porta retratos debaixo do braço. Tua imagem sorrindo naquele dia claro de sol é tudo o que resta do resto de nós. Cada vez que nos desatamos, envoltos em densa neblina, você leva contigo um pedaço enorme de mim. E nesse eterno despedir, anoiteço. Sozinho, estilhaçado, perdido pereço. Ando mil pedaços faltando, amor. Ando você inteira no peito. Ando sorriso amargo, coração cansado. Ando só - ando muito só com você aqui. Chove em barulho alto, folhas de outono voando, soluço engasgado. As gotas translúcidas batendo incessantes na janela dos olhos, são feito os poemas que te jorram em rios - madrugadas de lua. E meus braços se esticam no pranto da noite pedindo implorando teu colo, teus dedos. E com eles eu fico - horas e horas a fio - entregue e exausto dos nossos tantos nãos. Ninando meus beijos, ninando teu cheiro, adormeço abraçado ao seu travesseiro. E cantarolo baixinho aquela nossa canção, que por tanto tempo se fez ninho e hoje, nesse quarto opressor e vazio, é só, e somente só, solidão.

Quando apenas restam vestígios, há que encaixotá-los com carinho. Depois o tempo, feito pó, vai amarelecendo o que restou, enquanto lá fora sopram as aragens das estações.

Sylvia Araujo



PS: Do comentário lindíssimo do AC, do Interioridades, lá no Abundante-mente, surgiu o final desse texto. O Link em nuvem fofa, bem aí em cima.


28 de junho de 2010

Indistinguível

Inerte. As mãos negras e disformes boiando flácidas em sangue frio. Sentia um fiapo de vida latejar no pulso esquerdo partido, e rosnava por dentro. Não era dor, mas ódio o fio tênue que mantinha seu coração cansado batucando frenético dentro do peito. Noite fria em beco escuro não é tempo de ficar estirado no chão feito dejeto. Ainda assim, lá estava ele abraçado ao meio fio, aos restos de madrugada pútrida e às ratazanas famintas - indistinguíveis. Sentia no rosto um constante fisgar, e do olhar em horizonte fugia apenas um vislumbrar leitoso de imagens retorcidas. Ao fundo, um poste apagava e acendia - ritmado. Ou seria uma lanterna? Ou seus tantos desmaiares? Tentou mover as pernas e não conseguiu. Em pânico, imaginou o revirar do pescoço, mas eram apenas os globos girando nas órbitas e a palavra queimando feito incêndio na garganta. Nem um som se ouvia, além das gotas gordas que escorriam dos seus olhos vítreos e pingavam quentes no chão de concreto. Chovia através das pálbebras inchadas, um gosto salgado fazendo arder os cortes profundos nos lábios. E ele ali, inerte, implorando emudecido ajuda ou morte. Como num filme, Margareth lhe saltou à frente em batom vermelho e seios fartos. Dançava linda, enevoada pela fumaça da cigarrilha ao som de um blues qualquer - olhos fechados. Ela sempre fazia isso enquanto ele apertava o espartilho ou afivelava o salto. E lhe enxugava as lágrimas com lenço de seda, quando ser mulher aprisionada em corpo de homem virava fardo pesado demais e lhe anoitecia. Margareth era feliz com o que se transformara e talvez isso a tenha salvado da solidão. Enquanto ele, mazela pura, expurgava sozinho naquela sarjeta imunda, o veneno amargo que o consumia. Já não sofria. Com um beijo doce da única e fiel amiga, evaporou enfim em uma paz lilás.


Sylvia Araujo




PS: Tomei emprestado o lilás da evaporação bonita do Marcelo Novaes, no incrível Prosas Poéticas. O link logo aí em cima, de mãos dadas com a paz.